As agências e assessorias
de comunicação têm se mostrado nos últimos
anos bastante competentes, abrindo brechas enormes nos veículos
brasileiros (que, em contrapartida, andam cada vez mais
frágeis), para favorecerem os seus clientes. Até
aí nada demais porque, no jogo democrático
da informação, é assim mesmo: tem sempre
alguém vendendo e alguém comprando informação
(ainda que, nem sempre, neste processo de compra e venda
tenha dinheiro vivo envolvido).
Mas, às vezes, mesmo
empresas reconhecidas pelo mercado perdem um pouco os limites
e se dirigem aos jornalistas e veículos sem a transparência
devida, no afã de favorecer, direta e indiretamente,
aqueles que, generosamente, lhes pagam as contas.
Foi desta forma que soou
estranho, no primeiro dia de dezembro de 2006, o release
que foi encaminhado pela CDI – Agência de Comunicação
às redações sobre a “opção
dos pequenos produtores da África do Sul pela biotecnologia”,
ou , trocando em miúdos, pelos transgênicos.
Estranho porque, ao que se
sabe, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)
não é cliente da agência . Estranho
também porque a CDI não é uma agência
tradicional de notícias e vê-la veiculando
este tipo de informação causa mesmo espécie.
Então, na verdade,
o que levou a agência a tentar “plantar”
uma informação favorável aos transgênicos,
numa clara tentativa de influenciar a opinião pública
e, em particular, os pequenos produtores brasileiros (na
verdade, os releases tentam mesmo é fazer a cabeça
dos jornalistas e seus veículos)?
O release é elucidativo
e, ainda que a agência se esforçasse para esconder
os verdadeiros beneficiados por este tipo de divulgação,
a mão da Monsanto (sua cliente) e da indústria
de biotecnologia em geral (quem quiser ler indústria
do monopólio das sementes, não está
lendo errado!) estavam lá, enormes, peludas, vibrando
atrás do release.
O pior deste tipo de material
é que ele é, pelo menos para o caso brasileiro,
falso e mentiroso. Senão vejamos. Diz o release,
em seu segundo parágrafo: “A principal razão
para o aumento substancial da área cultivada com
plantas geneticamente modificadas na África do Sul,
de acordo com a investigação, são benefícios
que os produtores locais encontram nas novas tecnologias
aplicadas à agricultura. Diminuição
do uso de insumos – inseticidas e herbicidas -, maior
produtividade e mais facilidade de manejo estão entre
os principais atrativos.”
Este repetido argumento das
indústrias de biotecnologia e da Monsanto em particular
(o de menor consumo de agrotóxicos) tem sido desmentido
ao longo do tempo. Comparemos, por exemplo, com matéria
do dia 16 de novembro de 2006, publicada pelo jornal Valor
Econômico, à página B12 e assinada por
Mauro Zanatta, de Brasília. Diz ele no lead na reportagem:
“A introdução
da soja geneticamente modificada elevou a aplicação
de agrotóxicos no país. O aumento derivou
do maior uso de herbicidas à base de glifosato, um
princípio ativo recomendado para a soja transgênica
Roundup Ready, da multinacional Monsanto.” E continua:
“De 2000 a 2004, o consumo de glifosato cresceu 95%,
no Brasil, enquanto a área plantada de soja avançou
71%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
(Ibama). No Rio Grande do Sul, principal pólo nacional
de soja transgênica, o consumo de glifosato cresceu
162% e a área total, 38%”.
A matéria revela também
dados referentes ao Mato Grosso, onde “a utilização
dos 15 principais herbicidas usados no grão de soja
cresceu 67% no período – para 15 mil toneladas
– e a de glifosato, 93%. Ela traz ainda informações
de outras fontes, como a Embrapa Trigo, que confirmam este
incremento do uso de agrotóxicos (veneno, se a gente
quiser falar objetivamente).
Este esforço de divulgação
da CDI, para favorecer um de seus clientes mais poderosos,
apenas reforça a tese de que há uma diferença
fundamental entre o objetivo de determinadas agências
de comunicação/assessorias de imprensa e as
demandas e expectativas das redações e dos
jornalistas em particular. Com certeza, felizmente, nem
todas agem de maneira ardilosa e praticam a transparência,
indicando, explicitamente, os interesses que estão
subjacentes ao seu esforço de divulgação.
O jornalismo sério,
transparente e ético, exige uma postura diferente.
Certamente, não se esperaria que a CDI revelasse
dados contrários aos interesses da Monsanto (que
lhe paga, como faz a maioria dos clientes, para que conte
apenas o que lhes interessa, ainda que seja para falsear
a verdade). Mas ela não precisava ter dado uma volta
tão grande, com dados que são apenas localmente
verdadeiros para tentar fazer a cabeça de veículos
e produtores brasileiros.
A lição deve
ser aprendida. A mão do gato costuma aparecer sempre.
Se alguém ainda não tiinha percebido (você
anda distraído, hein coleguinha?), fique atento agora:
por trás dos releases sobre biotecnologia da CDI,
mesmo que não esteja explícito como neste
caso, a fonte interessada, ela é a Monsanto.
Se estiver desatento sobre
como algumas empresas costumam agir, tente navegar pelo
Google e coloque algumas palavras chaves para sua busca.
Tente “suborno na Indonésia”, tente “agente
laranja Vietnã”, tente o nome da empresa e
problemas ( se aprecia ler em inglês, coloque “problems”
mais o nome da empresa que virão mais links) e assim
por diante. Na sociedade da informação, não
dá para ficar escondido o tempo todo, mesmo porque
a mão do gato sempre aparece atrás da cortina.
Ou do release.