É verdade que o agronegócio
brasileiro (entendido aqui em seu sentido mais ampla, com
a inclusão da pecuária) vem batendo recordes
ano a ano e que responde por parcela majoritária
das nossas exportações, mas é preciso
ir devagar com o andor porque o santo é de barro
e o panorama menos favorável quando conseguimos enxergar
além das monoculturas.
A produção de arroz, milho, trigo, feijão,
batata, carne e outros produtos que compõem a dieta
básica do brasileiro não tem crescido na mesma
proporção da soja, da cana e do eucalipto,
para só citar 3 monoculturas, uma delas evidentemente
sem qualquer relação com o que levamos à
mesa mas que anda roubando a terra e outros recursos naturais
utilizados para o cultivo de alimentos.
Essa realidade evidencia, de imediato, uma distorção
em termos de contribuição do agronegócio
à alimentação nacional. Ela se aprofunda
se considerarmos o fato de que só estamos mesmo razoavelmente
garantidos porque os pequenos agricultores acabam fazendo
a lição de casa, enquanto os exportadores
de comomodities preocupam-se mesmo com a "barriga"
dos seus bolsos, cada vez mais empaturrados.
Mas o problema não se resume a este desvio de foco.
Ele agrega outros elementos fundamentais para a análise
deste modelo desenvolvimentista calcado na produção
de commodities.
É importante perceber (não dá para
negar a verdade insofismável dos fatos, como pretende
a bancada ruralista, que age nos bastidores do Congresso
para fazer prevalecer os seus interesses) que o agronegócio
(em particular a pecuária) impacta brutalmente o
meio ambiente e tem contribuído de maneira dramática
para a devastação do cerrado e da floresta
amazônica. Na verdade, há mesmo uma parceria
fatal entre os madeireiros ilegais (que proliferam, sem
controle, sobretudo no Pará e no Mato Grosso ), os
grandes criadores de gado e os plantadores de soja (agora
chega a cana com tudo) para penalizar os nossos valiosos
ecossistemas.
Somos o país que mais exporta água (escassa
para boa parte dos brasileiros, sequestrada que é
pela agricultura extensiva e pelas gigantescas plantas industriais),
incorporada à produção de carne (você
nem imagina quantos litros são consumidos para a
obtenção de um quilo de carne!) e de produtos
agrícolas em geral. Sem contar no formidável
desperdício dos sistemas de irrigação,
utilizados amplamente e irresponsávelmente por produtores
inescrupulosos.
Também não podemos estar orgulhosos com a
contaminação brutal dos alimentos pelos agrotóxicos
que emporcalham as verduras e frutas que andamos comendo,
denominados cinicamente de "remedinho para planta"
pela nada sustentável indústria agroquímica
(irmã de sangue da poderosa e truculenta indústria
da biotecnologia).
Mas as mazelas do agronegócio não param por
aí. Você já deve ter lido (os casos
são recorrentes em todo o País, da "Califórnia"
paulistana aos rincões do Pará!) sobre a incidência
alarmante do trabalho infantil e do trabalho escravo no
Brasil, não é verdade? Embora os usineiros,
os madeireiros, a indústria do fumo etc ( você
viu no Fantástico crianças enrolando cigarro,
vítimas da mais lucrativa indústria de drogas
de todo o mundo?) tentem apagar a verdade, ela continua
gritando à nossa frente.
Não é possível omitir-se diante deste
cenário porque ele empana o brilho de um negócio
gigantesco, festejado todos os dias pela mídia acrítica
e pelas autoridades que não conseguem enxergar além
dos indicadores econômicos, porque deles se valem
em sua demagógica plataforma política.
A produção de alimentos é fundamental
para um país com mais de 180 milhões de bocas
(você não ignora que as vaquinhas e os franguinhos
para exportação comem melhor do que a maioria
das nossas crianças, não é mesmo?)
mas não é preciso que tenhamos que assistir
(e concordar com a) à dolorosa contrapartida deste
desenvolvimento desumano.
Urge disciplinar esta área estratégica, alinhando-a
para atender sobretudo os interesses da nação
brasileira, em particular dos menos favorecidos. É
vital fortalecer a agricultura familiar (a que realmente
nos garante o pão de cada dia), enquadrar os produtores
de veneno, conter a ânsia voraz dos fabricantes internacionais
de sementes engenheiradas e seus lobbies obscenos.
As mazelas do agronegócio só poderão
ser contidas, se os Governos e a sociedade civil estiverem
comprometidos com a qualidade de vida, a preservação
da água, do ar e do solo, o respeito à sócio-diversidade
e à segurança alimentar.
É necessário dispormos de mais Embrapas,
Institutos Agronômicos etc (que deverão obviamente
estar sintonizados com a demanda da maioria, portanto dos
mais pobres) e menos Monsantos, Bayers, Sygentas, Cargills,
Bunges, Aracruzes (e outras menos votadas), se não
quisermos permanecer reféns de monopólios
e monoculturas que só beneficiam o grande capital
e os interesses estrangeiros.
É preciso olhar com atenção para os
acordos que estas corporações andam estabelecendo
com sindicatos e cooperativas (e mesmo com universidades
e instituições de pesquisa) visando apropriar-se
dos nossos conhecimentos e pesquisas (custeados pela sociedade
brasileira) e apertar o cerco sobre as empresas genuinamente
nacionais.
As mazelas do agronegócio estão indelevelmente
associadas a esta ganância pelo lucro e a esta falta
de compromisso com os interesses nacionais que caracterizam
determinadas organizações que saqueiam o mundo
para atender à ambição desmedida de
seus investidores.
O agronegócio responsável deve prevalecer
e, para isso, é indispensável reverter este
modelo que aí está, fundado em privilégios
e monopólios. Devemos estar mobilizados para este
enfrentamento porque constitui uma exigência da soberania
nacional.
As sementes e os alimentos em geral são vitais para
a nossa sobrevivência e não podem estar de
posse unicamente das corporações monopolistas.
Nossa luta deve ser pela vida, pela diversidade, pelo repúdio
às monoculturas da mente.
Devemos cultivar a vigilância cívica, olhando
atentamente para as movimentações destes setores
industriais e suas incursões pelo Brasil afora. Quem
cuida, diz o caboclo, tem ou, ainda, não adianta
colocar a trava depois da porta arrombada.