Travestido de fonte
científica, o CIB – Conselho de Informações
sobre Biotecnologia circula pelas redações
brasileiras apregoando o milagre da biotecnologia, as vantagens
dos transgênicos e o atraso da agricultura tradicional.
Você, jornalista,
que já topou com ele em algum release , tem recebido
a sua newsletter absolutamente parcial e triunfalista ou
um dia se animou a visitar o seu site deve ficar, portanto,
de olho: há mais do que ciência embaixo desse
tapete. Monsanto? Pois é. Bayer? Também. Syngenta
e Du Pont? É isso. Trata-se de mais um caso de aproximação
entre ciência e tecnologia e interesses comerciais
explícitos, como costuma ocorrer em todas as áreas
onde o lucro é imenso. Logo, desconfie dele sempre.
O CIB é uma
Ong (e você que pensou que Ong tinha a ver com outras
coisas, não é mesmo?) que tem como objetivo
convencer governos, parlamentares, sociedade e jornalistas
de que a melhor solução é a transgênica
e que a biotecnologia é a panacéia para todos
os males. Você já ouviu falar que os transgênicos
vão matar a fome no mundo, não é verdade?
Pois é, o papo é esse mesmo, como se a tecnologia
estivesse descolada do mundo da política e do capital.
Como se as grandes corporações estivessem
realmente preocupadas com a fome do mundo e não apenas
com o lucro para os seus investidores.
O CIB manteve durante
um bom tempo uma coluna (com direito a chamada de capa no
suplemento agrícola do Estadão) a favor dos
transgênicos (que pregava, inclusive, a dispensa de
licenciamento ambiental) e que (por que será, não?)
preferia colocar a informação obrigatória
(jornais sérios exigem isso) - “Informe Publicitário”
na vertical, tentando enganar os leitores incautos. Uma
coluna que desapareceu logo que a Lei de Biossegurança
foi aprovada no Congresso e que, portanto, não estava
ali para esclarecer coisa alguma, mas para fazer lobby mesmo.
O CIB reúne
uma série de pesquisadores e profissionais de prestígio,
mas isso não lhe tira o caráter parcial: navegue
pelo site do Conselho e verifique se existe lá alguma
informação ou fonte contrária aos transgênicos!
Não se pode
ser leviano a ponto de afirmar, sem provas, que os pesquisadores
filiados ao CIB são funcionários das empresas
ou recebem delas para este trabalho de persuasão
a favor dos transgênicos. Muitos pesquisadores, e
julgamos que esse deve ser o caso dos colegas que militam
no CIB, acreditam efetivamente no que estão divulgando
e não podem sofrer restrições por isso.
Estão voltados unicamente para o seu projeto ou objeto
de pesquisa e não se perguntam sobre o uso da ciência
e da tecnologia.
Mas há centenas
de casos em que a relação entre ciência
e interesses extracientíficos se mostra espúria
em oposição aos interesses da sociedade. Ela
é comum na chamada indústria da saúde,
tem sido emblemática na indústria tabagista
e de armas, agroquímica etc (você nunca percebeu
que as empresas de biotecnologia também são
gigantes na área agroquímica e da saúde?),
embora algumas delas, como a Monsanto, tenha a desfaçatez
de, ao defender os transgênicos, demonizar os agrotóxicos
(como se round-up fosse marca de chiclete de bolas.
Os pesquisadores que
defendem os transgênicos a qualquer preço (assim
como aqueles que os condenam de todas as formas) são
fontes suspeitas , não devem ser vistos jamais como
isentas e não se pode tomá-los como únicas
em matérias (notícias, reportagens) onde os
interesses que defendem são focalizados.
Também existem
cientistas e pesquisadores (e não apenas no Greenpeace,
como insinuam os colegas do CIB, mas na Embrapa, nas universidades
do mundo inteiro) que têm visões diferentes
das defendidas pelo Conselho (desculpe o trocadilho, mas
não vá atrás do conselho dele!) e,
se você é um jornalista competente, ouça
os dois lados. Não deve é acreditar em quem
tem interesses extracientíficos a defender e o CIB
tem de sobra.
Uma dica: quando receber
uma informação a favor da biotecnologia (leia-se
transgênicos), verifique se a fonte é o CIB
ou se o pesquisador que a respalda faz parte do Conselho
do CIB (no site tem a relação dos conselheiros)
ou fecha com eles (tem artigo reproduzido lá). Se
isso acontecer, pense antes de publicar a notícia
com essa fonte única porque estará servindo
apenas para reforçar uma posição que
se pretende hegemônica, monopolista, como são
as empresas comerciais que fabricam transgênicos.
Pode ser ilustrativo
tomar contato agora com a notícia publicada no The
Guardian no dia 8 de dezembro de 2006 sob o título
Renomado “cientista do câncer” recebeu
de empresa química por 20 anos. (segue pequeno resumo
que circulou na Web - em Português e o texto original
em inglês do jornal britânico).
Em tempo:
1) se não souber o que é agente laranja e
os males que causou, por exemplo, na Guerra do Vietnã,
faça uma busca na Web: ficará horrorizado
(a).
2) Não confie nem em empresa que tem santo no nome,
pode ser apenas uma infeliz coincidência.
Ciência, agente laranja e a Monsanto
O jornal inglês
"The Guardian" revelou que o cientista Richard
Doll, aliás, Sir Richard Doll, considerado o precursor
dos estudos que determinaram que o cigarro causa câncer
de pulmão, já falecido, recebeu durante 20
anos pagamentos das corporações químicas,
ao mesmo tempo em que investigava os produtos dessas empresas.
Doll era tido como
exemplo de cientista, mas estava na folha de pagamentos
da Monsanto, a fabricante do "agente laranja",
quando emitiu parecer, para uma comissão governamental
australiana, em meados dos anos 80, de que "não
havia evidência" de que causasse câncer.
Tratava-se nada menos que o veneno que ficou notório
por ser usado pelo Pentágono para desfolhar o Vietnã
durante a guerra, e que continha dioxina, substância
altamente cancerígena e teratogênica (provoca
o nascimento de crianças com deformações).
Já as evidências
sobre a acuidade dos métodos investigativos de Doll
podem ser encontradas em uma carta, reproduzida pelo jornal,
da Monsanto ao cientista, de 29 de abril de 1986, assinada
por George Roush, diretor do Departamento de Medicina e
Saúde Ambiental da corporação.
"Caro Sir Richard
Esta carta tem o propósito
de estender seu Acordo de Consultoria com a Companhia Monsanto
datado de 10 de maio de 1979. O Contrato de Consultoria
é portanto prolongado pelo período adicional
de um ano, começando em 1 de Junho de 1986 e terminando
em 31 de Maio de 1987.
Durante este período
de um ano de extensão de sua consultoria, seus honorários
serão de US$ 1.500,00 por dia. Todos os demais termos
e condições do Acordo de Consultoria de 10
de Maio de 1979 permanecem em efeito durante este período".
O "Guardian"
também registrou que Sir Doll recebeu 15 mil libras
de outras grandes empresas químicas, para isentar
o cloreto de vinila de ligação com qualquer
tipo de câncer, exceto o de fígado, o que é
contestado pela Organização Mundial da Saúde.
Renowned cancer scientist was paid by chemical firm
for 20 years
http://www.guardian.co.uk/frontpage/story/0,,1967385,00.html
Sarah Boseley, health editor
Friday December 8, 2006
The Guardian
A world-famous British
scientist failed to disclose that he held a paid consultancy
with a chemical company for more than 20 years while investigating
cancer risks in the industry, the Guardian can reveal.
Sir Richard Doll, the
celebrated epidemiologist who established that smoking causes
lung cancer, was receiving a consultancy fee of $1,500 a
day in the mid-1980s from Monsanto, then a major chemical
company and now better known for its GM crops business.
While he was being
paid by Monsanto, Sir Richard wrote to a royal Australian
commission investigating the potential cancer-causing properties
of Agent Orange, made by Monsanto and used by the US in
the Vietnam war. Sir Richard said there was no evidence
that the chemical caused cancer.
Documents seen by the
Guardian reveal that Sir Richard was also paid a £15,000
fee by the Chemical Manufacturers Association and two other
major companies, Dow Chemicals and ICI, for a review that
largely cleared vinyl chloride, used in plastics, of any
link with cancers apart from liver cancer - a conclusion
with which the World Health Organisation disagrees. Sir
Richard's review was used by the manufacturers' trade association
to defend the chemical for more than a decade.
The revelations will
dismay scientists and other admirers of Sir Richard's pioneering
work and fuel a rift between the majority who support his
view that the evidence shows cancer is a product of modern
lifestyles and those environmentalists who argue that chemicals
and pollution must be to blame for soaring cancer rates.
Yesterday Sir Richard
Peto, the Oxford-based epidemiologist who worked closely
with him, said the allegations came from those who wanted
to damage Sir Richard's reputation for their own reasons.
Sir Richard had always been open about his links with industry
and gave all his fees to Green College, Oxford, the postgraduate
institution he founded, he said.
Professor John Toy,
medical director of Cancer Research UK, which funded much
of Sir Richard's work, said times had changed and the accusations
must be put into context. "Richard Doll's lifelong
service to public health has saved millions of lives. His
pioneering work demonstrated the link between smoking and
lung cancer and paved the way towards current efforts to
reduce tobacco's death toll," he said. "In the
days he was publishing it was not automatic for potential
conflicts of interest to be declared in scientific papers."
But a Swedish professor
who believes that some of Sir Richard's work has led to
the underestimation of the role of chemicals in causing
cancers said that transparency was all-important. "It's
OK for any scientist to be a consultant to anybody, but
then this should be reported in the papers that you publish,"
said Lennart Hardell of University Hospital, Orebro.
Sir Richard died last
year. Among his papers in the Wellcome Foundation library
archive is a contract he signed with Monsanto. Dated April
29 1986, it extends for a year the consulting agreement
that began on May 10 1979 and offers improved terms. "During
the one-year period of this extension your consulting fee
shall be $1,500 per day," it says.
Monsanto said yesterday
it did not know how much work Sir Richard did for the company,
but said he was an expert witness for Solutia, a chemical
business spun off from Monsanto, as recently as 2000.
Consulting at $1,500 a day
Letter sent to Sir Richard Doll by George Roush Jr,
director of Monsanto's medicine and environmental health
department, on April 29 1986
Dear Sir Richard:
This letter is for
the purpose of extending your Consulting Agreement with
Monsanto Company dated May 10, 1979. The Consulting Agreement
is hereby extended for an additional one-year period beginning
June 1, 1986 and ending May 31, 1987.
During the one year
period of this extension your consulting fee shall be $1,500.00
per day. All other terms and conditions of the Consulting
Agreement of May 10, 1979 shall remain in effect during
this extension period.
If the foregoing meets
with your understanding and approval please so indicate
by executing this letter in duplicate and returning one
of the signed duplicates to us.