Ano I - Nº 01 - Abril de 2007

:: Cuidado, jornalista. O CIB é fonte mais do que suspeita

 

      Travestido de fonte científica, o CIB – Conselho de Informações sobre Biotecnologia circula pelas redações brasileiras apregoando o milagre da biotecnologia, as vantagens dos transgênicos e o atraso da agricultura tradicional.

      Você, jornalista, que já topou com ele em algum release , tem recebido a sua newsletter absolutamente parcial e triunfalista ou um dia se animou a visitar o seu site deve ficar, portanto, de olho: há mais do que ciência embaixo desse tapete. Monsanto? Pois é. Bayer? Também. Syngenta e Du Pont? É isso. Trata-se de mais um caso de aproximação entre ciência e tecnologia e interesses comerciais explícitos, como costuma ocorrer em todas as áreas onde o lucro é imenso. Logo, desconfie dele sempre.

      O CIB é uma Ong (e você que pensou que Ong tinha a ver com outras coisas, não é mesmo?) que tem como objetivo convencer governos, parlamentares, sociedade e jornalistas de que a melhor solução é a transgênica e que a biotecnologia é a panacéia para todos os males. Você já ouviu falar que os transgênicos vão matar a fome no mundo, não é verdade? Pois é, o papo é esse mesmo, como se a tecnologia estivesse descolada do mundo da política e do capital. Como se as grandes corporações estivessem realmente preocupadas com a fome do mundo e não apenas com o lucro para os seus investidores.

      O CIB manteve durante um bom tempo uma coluna (com direito a chamada de capa no suplemento agrícola do Estadão) a favor dos transgênicos (que pregava, inclusive, a dispensa de licenciamento ambiental) e que (por que será, não?) preferia colocar a informação obrigatória (jornais sérios exigem isso) - “Informe Publicitário” na vertical, tentando enganar os leitores incautos. Uma coluna que desapareceu logo que a Lei de Biossegurança foi aprovada no Congresso e que, portanto, não estava ali para esclarecer coisa alguma, mas para fazer lobby mesmo.

      O CIB reúne uma série de pesquisadores e profissionais de prestígio, mas isso não lhe tira o caráter parcial: navegue pelo site do Conselho e verifique se existe lá alguma informação ou fonte contrária aos transgênicos!

      Não se pode ser leviano a ponto de afirmar, sem provas, que os pesquisadores filiados ao CIB são funcionários das empresas ou recebem delas para este trabalho de persuasão a favor dos transgênicos. Muitos pesquisadores, e julgamos que esse deve ser o caso dos colegas que militam no CIB, acreditam efetivamente no que estão divulgando e não podem sofrer restrições por isso. Estão voltados unicamente para o seu projeto ou objeto de pesquisa e não se perguntam sobre o uso da ciência e da tecnologia.

      Mas há centenas de casos em que a relação entre ciência e interesses extracientíficos se mostra espúria em oposição aos interesses da sociedade. Ela é comum na chamada indústria da saúde, tem sido emblemática na indústria tabagista e de armas, agroquímica etc (você nunca percebeu que as empresas de biotecnologia também são gigantes na área agroquímica e da saúde?), embora algumas delas, como a Monsanto, tenha a desfaçatez de, ao defender os transgênicos, demonizar os agrotóxicos (como se round-up fosse marca de chiclete de bolas.

      Os pesquisadores que defendem os transgênicos a qualquer preço (assim como aqueles que os condenam de todas as formas) são fontes suspeitas , não devem ser vistos jamais como isentas e não se pode tomá-los como únicas em matérias (notícias, reportagens) onde os interesses que defendem são focalizados.

      Também existem cientistas e pesquisadores (e não apenas no Greenpeace, como insinuam os colegas do CIB, mas na Embrapa, nas universidades do mundo inteiro) que têm visões diferentes das defendidas pelo Conselho (desculpe o trocadilho, mas não vá atrás do conselho dele!) e, se você é um jornalista competente, ouça os dois lados. Não deve é acreditar em quem tem interesses extracientíficos a defender e o CIB tem de sobra.

      Uma dica: quando receber uma informação a favor da biotecnologia (leia-se transgênicos), verifique se a fonte é o CIB ou se o pesquisador que a respalda faz parte do Conselho do CIB (no site tem a relação dos conselheiros) ou fecha com eles (tem artigo reproduzido lá). Se isso acontecer, pense antes de publicar a notícia com essa fonte única porque estará servindo apenas para reforçar uma posição que se pretende hegemônica, monopolista, como são as empresas comerciais que fabricam transgênicos.

      Pode ser ilustrativo tomar contato agora com a notícia publicada no The Guardian no dia 8 de dezembro de 2006 sob o título Renomado “cientista do câncer” recebeu de empresa química por 20 anos. (segue pequeno resumo que circulou na Web - em Português e o texto original em inglês do jornal britânico).

Em tempo:
1) se não souber o que é agente laranja e os males que causou, por exemplo, na Guerra do Vietnã, faça uma busca na Web: ficará horrorizado (a).
2) Não confie nem em empresa que tem santo no nome, pode ser apenas uma infeliz coincidência.

Ciência, agente laranja e a Monsanto

      O jornal inglês "The Guardian" revelou que o cientista Richard Doll, aliás, Sir Richard Doll, considerado o precursor dos estudos que determinaram que o cigarro causa câncer de pulmão, já falecido, recebeu durante 20 anos pagamentos das corporações químicas, ao mesmo tempo em que investigava os produtos dessas empresas.

      Doll era tido como exemplo de cientista, mas estava na folha de pagamentos da Monsanto, a fabricante do "agente laranja", quando emitiu parecer, para uma comissão governamental australiana, em meados dos anos 80, de que "não havia evidência" de que causasse câncer. Tratava-se nada menos que o veneno que ficou notório por ser usado pelo Pentágono para desfolhar o Vietnã durante a guerra, e que continha dioxina, substância altamente cancerígena e teratogênica (provoca o nascimento de crianças com deformações).

      Já as evidências sobre a acuidade dos métodos investigativos de Doll podem ser encontradas em uma carta, reproduzida pelo jornal, da Monsanto ao cientista, de 29 de abril de 1986, assinada por George Roush, diretor do Departamento de Medicina e Saúde Ambiental da corporação.

"Caro Sir Richard

      Esta carta tem o propósito de estender seu Acordo de Consultoria com a Companhia Monsanto datado de 10 de maio de 1979. O Contrato de Consultoria é portanto prolongado pelo período adicional de um ano, começando em 1 de Junho de 1986 e terminando em 31 de Maio de 1987.

      Durante este período de um ano de extensão de sua consultoria, seus honorários serão de US$ 1.500,00 por dia. Todos os demais termos e condições do Acordo de Consultoria de 10 de Maio de 1979 permanecem em efeito durante este período".

      O "Guardian" também registrou que Sir Doll recebeu 15 mil libras de outras grandes empresas químicas, para isentar o cloreto de vinila de ligação com qualquer tipo de câncer, exceto o de fígado, o que é contestado pela Organização Mundial da Saúde.

Renowned cancer scientist was paid by chemical firm for 20 years

http://www.guardian.co.uk/frontpage/story/0,,1967385,00.html

Sarah Boseley, health editor
Friday December 8, 2006
The Guardian

      A world-famous British scientist failed to disclose that he held a paid consultancy with a chemical company for more than 20 years while investigating cancer risks in the industry, the Guardian can reveal.

      Sir Richard Doll, the celebrated epidemiologist who established that smoking causes lung cancer, was receiving a consultancy fee of $1,500 a day in the mid-1980s from Monsanto, then a major chemical company and now better known for its GM crops business.

      While he was being paid by Monsanto, Sir Richard wrote to a royal Australian commission investigating the potential cancer-causing properties of Agent Orange, made by Monsanto and used by the US in the Vietnam war. Sir Richard said there was no evidence that the chemical caused cancer.

      Documents seen by the Guardian reveal that Sir Richard was also paid a £15,000 fee by the Chemical Manufacturers Association and two other major companies, Dow Chemicals and ICI, for a review that largely cleared vinyl chloride, used in plastics, of any link with cancers apart from liver cancer - a conclusion with which the World Health Organisation disagrees. Sir Richard's review was used by the manufacturers' trade association to defend the chemical for more than a decade.

      The revelations will dismay scientists and other admirers of Sir Richard's pioneering work and fuel a rift between the majority who support his view that the evidence shows cancer is a product of modern lifestyles and those environmentalists who argue that chemicals and pollution must be to blame for soaring cancer rates.

      Yesterday Sir Richard Peto, the Oxford-based epidemiologist who worked closely with him, said the allegations came from those who wanted to damage Sir Richard's reputation for their own reasons. Sir Richard had always been open about his links with industry and gave all his fees to Green College, Oxford, the postgraduate institution he founded, he said.

      Professor John Toy, medical director of Cancer Research UK, which funded much of Sir Richard's work, said times had changed and the accusations must be put into context. "Richard Doll's lifelong service to public health has saved millions of lives. His pioneering work demonstrated the link between smoking and lung cancer and paved the way towards current efforts to reduce tobacco's death toll," he said. "In the days he was publishing it was not automatic for potential conflicts of interest to be declared in scientific papers."

      But a Swedish professor who believes that some of Sir Richard's work has led to the underestimation of the role of chemicals in causing cancers said that transparency was all-important. "It's OK for any scientist to be a consultant to anybody, but then this should be reported in the papers that you publish," said Lennart Hardell of University Hospital, Orebro.

      Sir Richard died last year. Among his papers in the Wellcome Foundation library archive is a contract he signed with Monsanto. Dated April 29 1986, it extends for a year the consulting agreement that began on May 10 1979 and offers improved terms. "During the one-year period of this extension your consulting fee shall be $1,500 per day," it says.

      Monsanto said yesterday it did not know how much work Sir Richard did for the company, but said he was an expert witness for Solutia, a chemical business spun off from Monsanto, as recently as 2000.

Consulting at $1,500 a day

Letter sent to Sir Richard Doll by George Roush Jr, director of Monsanto's medicine and environmental health department, on April 29 1986

      Dear Sir Richard:

      This letter is for the purpose of extending your Consulting Agreement with Monsanto Company dated May 10, 1979. The Consulting Agreement is hereby extended for an additional one-year period beginning June 1, 1986 and ending May 31, 1987.

      During the one year period of this extension your consulting fee shall be $1,500.00 per day. All other terms and conditions of the Consulting Agreement of May 10, 1979 shall remain in effect during this extension period.

      If the foregoing meets with your understanding and approval please so indicate by executing this letter in duplicate and returning one of the signed duplicates to us.

 
 
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