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Jornalismo Ambiental: navegando por um conceito e por uma prática

Wilson da Costa Bueno*

      A cobertura do meio ambiente brasileiro tem experimentado , nos últimos anos, um razoável incremento em virtude da emergência de temas relevantes e controversos, como transgênicos, mudanças climáticas, biodiversidade e biopirataria, conhecimento popular, segurança alimentar, consumo consciente e a expansão desordenada do agronegócio, entre tantos outros.
      A prática, no entanto, não tem sido acompanhada por um esforço sistemático de definir os limites desta área e de refinar conceitos; pela realização de pesquisas para avaliar, qualitativa e quantitativamente, o perfil desta cobertura ou mesmo pela validação deste esforço pelo meio publicitário, que insiste, equivocadamente, em ignorar as mídias ambientais.
      Um olhar, ainda que ligeiro, sobre a cobertura do meio ambiente evidencia, de imediato, a necessidade de se contemplar realidades e instâncias distintas no processo de produção jornalística que se orienta para esta temática. Isso porque a cobertura apresenta singularidades quando se considera a imprensa de informação geral ou de negócios, a imprensa segmentada ou especializada em meio ambiente, ou ainda quando se focaliza, especificamente as diversas mídias ou ambientes midiáticos, como o rádio , a TV e a Internet. Em virtude das peculiaridades de cada mídia (sistemas de produção, recursos de expressão e interação, formas de recepção) e do perfil de sua audiência, o discurso varia assim como sua capacidade de influência.
      Há uma diferença essencial entre a qualificação da cobertura que é empreendida pela mídia especializada, esteja ela sob a responsabilidade de editoras comerciais ou de jornalistas empreendedores e combativos, e a da grande imprensa, respaldada por interesses quase sempre conflitantes com as demandas da maioria da população e, sobretudo, dos segmentos menos favorecidos. Deve-se, sobretudo, destacar, neste cenário impressionista aqui traçado, os jornalistas competentes e combativos que comandam excelentes projetos editoriais , sites de notícias, programas de rádio e de TV, enfrentando, aqui e acolá, as dificuldades de se fazer bom jornalismo num país que está se acostumando aos "reality shows" e à imprensa não investigativa. Citá-los pode ser uma decisão arriscada, já que, necessariamente, pelas falhas comuns à memória de quem anda sempre estressado (e qual jornalista não se sente assim , hoje em dia?), nomes importantes podem ser esquecidos. Mas, obrigatoriamente, a recuperação da trajetória do jornalismo ambiental brasileiro conduz a colegas como Washington Novaes, Vilmar Berna, Roberto Villar, Carlos Tautz, Teresa Urban, Eduardo Geraque, Adalberto Marcondes, André Trigueiro, Juarez Tosi, Maria Zulmira de Souza, José Alberto Gonçalves Pereira, Regina Scharf, Liana John, André Muggiati, Hiran Firmino e muitos outros. Eles representam uma plêiade de jornalistas, capacitados e investigativos, que têm escrito com competência a história do nosso jornalismo ambiental.
      Embora algumas publicações de caráter comercial possam, pela interferência mesma dos grandes interesses em jogo, afrontar , às vezes, os limites (que devem ser sempre respeitados) entre a informação e o marketing, elas têm cumprido papel importante na circulação de informações sobre meio ambiente , em suas múltiplas perspectivas ou temasl (água, biotecnologia, energia, agroecologia, saneamento etc) . Na prática, serão cada vez mais respeitadas à medida em que estiverem comprometidas com uma visão moderna , abrangente e adequada das questões que afetam o meio ambiente.
      As agências de comunicação, os institutos, as associações e as ONGs que mantêm, com regularidade, seu sistema de produção de notícias (sites, jornais ou newsletters) também se enquadram neste perfil, favorecendo, amplamente, o processo de democratização de informações ambientais.
      As maiores ressalvas (e há razão para que isso ocorra) são feitas, geralmente, à grande imprensa e aos sistemas monopolísticos de comunicação brasileiros que , com raras exceções, têm se utilizado do meio ambiente como forma de aumentar a audiência, restringindo-se aos acidentes ambientais que integram o circuito viciado da chamada notícia-espetáculo. Da mesma forma, pela expressão de seu compromisso comercial e político, têm dado voz apenas aos representantes dos grandes interesses, às fontes oficiais, agindo de maneira preconceituosa e desleal com entidades da sociedade civil que exercem vigília permanente para defender os consumidores, os pequenos produtores rurais, os povos da floresta, os agricultores familiares e os excluídos da terra.
      O compromisso da mídia de massa no Brasil com o modelo agropexportador, apoiado na "big science", a tem colocado num dilema: seguir o que indicam os olhos e a razão ou ceder à lógica do capital, que sugere (ordena?) apostar, cegamente, no lucro. Invariavelmente, ela tem preferido a segunda opção, mais cômoda e mais rentável, buscando enxergar os problemas ambientais a partir de escritórios refrigerados e de fontes que não escondem os seus vínculos com as multinacionais das sementes, agroquímicas, de biotecnologia ou aquelas que patrocinam o chamado "deserto verde".
      A cobertura da grande imprensa vive à mercê dos "a convite de" e frequenta, com desenvoltura, as coletivas das grandes empresas, que pautam notícias e editoriais , a eles se aliando para criminalizar o movimento ambientalista, o movimento dos sem terra e mesmo aqueles segmentos desmobilizados da sociedade (indígenas, populações ribeirinhas, caboclo nordestino, favelado etc) que, normalmente, não fazem movimento algum.
      Neste espaço midiático, o jornalista ambiental quase sempre se sente isolado, constrangido, pressionado, alimentando uma desesperança que o obriga, mesmo com a sua determinação e perseverança, a buscar outros caminhos. É fácil constatar este fato, quando se é surpreendido com a saída de colegas que há décadas enriqueciam a cobertura ambiental nas redações dos nossos jornalões, como o Estadão e a Gazeta Mercantil, para só citar dois casos.
      O jornalismo ambiental , no entanto, atravessa um momento de transição e é possível, apesar dos lobbies das multinacionais, da omissão do Governo, da cumplicidade de setores da comunidade científica, enxergar novas possibilidades para o futuro.
      A migração das novas gerações para a Internet, o fortalecimento das rádios comunitárias e o surgimento de vigorosos jornais locais; a ampliação do debate nas escolas de jornalismo, o aumento da consciência dos consumidores, a competência das ONGs e a inevitável necessidade de compatibilizar desenvolvimento e respeito ao meio ambiente farão surgir alternativas novas para o jornalismo ambiental. Ao mesmo tempo em que a pressão dos grandes interesses aumenta, a resistência se fortalece e há uma contaminação (esta saudável, diferententemente da dos agrotóxicos) que se irradia em defesa do planeta seriamente ameaçado. Pouco a pouco, os cidadãos, mesmo os de idade mais jovem, irão tomando consciência de que não apenas os mico-leões dourados e as baleias estão ameaçados de extinção e virão integrar esta legião crescente de consumidores (e defensores) da informação ambiental.
      É preciso que os comunicadores ou jornalistas ambientais estejam conscientes de que esta é uma atividade que requer militância, compromisso, capacitação, ética e profissionalismo.
      O jornalismo ambiental, neste novo conceito e nesta nova realidade que estão sendo plasmados agora, passa a incorporar uma visão inter e multidisciplinar, que extrapola os limites do cadernos e das editorias, porque a fragmentação imposta pelo sistema de produção jornalística fragiliza a cobertura de temas ambientais. O jornalismo ambiental anseia por um conceito, que extrapole o do jornalismo científico tradicional (comprometido com uma parcela significativa da comunidade científica que tem privilegiado a continuidade das suas pesquisas, sem contextualizar as suas repercussões), que não se confunda, em nenhuma hipótese com o jornalismo econômico (impregnado pelo canto de sereia do modelo agroexportador , da revolução tecnológica a qualquer preço e da apologia das aplicações rentáveis do capital financeiro) e que não se apoie no jornalismo cultural, quase sempre tipificado pelo diálogo surdo das elites.
      O jornalismo ambiental deve construir o seu próprio "ethos", ainda que compartilhe parcela significativa de seu DNA com todos os jornalismos (especializados ou não) que se praticam por aí. Simplesmente porque comprometido com a qualidade de vida e com o efetivo exercício da cidadania , ele não pode reduzir-se à sedução do progresso tecnológico, do esforço quase sempre socialmente injustol pelo aumento do PIB e da produção de grãos , ou espelhar-se no egoísmo desmobilizado da intelectualidade brasileira.
      O jornalismo ambiental deve propor-se política , social e culturalmente engajado, porque só desta forma conseguirá encontrar forças para resistir às investidas e pressões de governos, empresas e até de universidades e institutos de pesquisa, muitos deles patrocinados ou reféns dos grandes interesses. O jornalismo ambiental não pode comprometer-se com a isenção porque participa de um jogo amplo (e nada limpo) de interesses. Não deve admitir-se utópico porque fundado na realidade concreta, na luta pela qualidade do solo, do ar, da água, da vida enfim. O jornalismo ambiental não deve, especialmente, ser visto apenas como o exercício de uma atividade produtiva e remunerada, como a maioria das que estão disponíveis para os profissionais liberais, em todo o mundo, inclusive para a maioria dos jornalistas . O jornalista ambiental (e é isso que precisa ser trabalhado nas escolas e nas redações junto aos profissionais de imprensa do futuro) tem um compromisso que se estende além da jornada de trabalho. Consciente e capacitado, ele será militante sempre. Qualquer outra alternativa, conduz, inevitavelmente, à capitulação.

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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
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