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O jornalismo e o lobby dos agrotóxicos

Wilson da Costa Bueno*

     De maneira pouco competente, quase omissa, a imprensa brasileira tem relegado a segundo plano o debate que se trava nos bastidores (e na Justiça) entre a ANVISA e os fabricantes de agrotóxicos (leia-se veneno). Na prática, o que está em jogo é basicamente a defesa da saúde pública, tendo em vista o índice alarmante de acidentes e de mortes causados pelos agrotóxicos em nosso País, e a resistência necessária ao lobby insuportável da indústria agroquímica.
     O que, no final das contas, pretende a ANVISA? Nada mais do que submeter à análise técnica pouco mais de uma dezena de ingredientes ativos utilizados em uma centena de produtos livremente comercializados por aqui. Por que razão? Porque há mais do que suspeitas, há evidências concretas, literatura específica que atesta os prejuízos causados por estes produtos, muitos dos quais proibidos em outros países.
     E por que ela não consegue? Porque os fabricantes de agrotóxicos, que são os mesmos que monopolizam a indústria dos transgênicos, têm impedido, com o apoio do Ministério da Agricultura, que esta análise seja feita, com alegações ética e socialmente inaceitáveis.
     O comportamento da indústria agroquímica e de transgênicos (duas faces da mesma moeda) é sempre o mesmo: falta de transparência, tentativa explícita de manipulação da opinião pública e relações estreitas com algumas esferas do poder público, com o fim deliberado de proteger os seus interesses e aumentar os seus lucros formidáveis.
A ANVISA já conseguiu provar que alguns desses ingredientes são efetivamente nocivos à saúde, como o cihexatina e o acefato, o primeiro deles largamente utilizado nos laranjais, conforme explicava reportagem do jornal O Globo de 9/11/2008, p.13.
     As perguntas básicas são: analisar não pode? Por que um número significativo de agrotóxicos utilizados no Brasil é proibido lá fora? De que tem receio a indústria do veneno? Evidentemente, todos nós sabemos a resposta, já que para bom entendedor más intenções bastam.
     A indústria de agrotóxicos é poderosa e, num país com uma produção agrícola em larguíssima escala, qualquer tentativa de frear a utilização de seus produtos, ainda que em favor do interesse público, é barrada na origem. Considerando a relação estreita entre a indústria agroquímica e a  do agronegócio, quase sempre afinadas com o objetivo de priorizar basicamente o lucro, fica fácil perceber a força deste lobby e, inclusive, a adesão do Ministério da Agricultura que, de longa data, tem estado a serviço dos interesses empresariais, apesar do discurso em contrário.
     A lógica é conhecida: os agrotóxicos garantem o crescimento do agronegócio e devem circular livremente, mesmo quando há indícios suficientemente fortes de que vêm contaminando brutalmente o solo, a água, os alimentos etc. Novamente, os brasileiros, da cidade e do campo (basta consultar pesquisas antigas e recentes sobre a contaminação de frutas e hortigranjeiros realizadas por universidades, a Fiocruz etc) estão à mercê de interesses empresariais e políticos (a bancada do veneno no Congresso se confunde em larga margem com a própria bancada ruralista) e sofrem na pele, no pulmão, no sistema nervoso etc com este derrame fantástico de agrotóxicos.
     A matéria de O Globo trouxe informações relevantes: a entrada de agrotóxicos no Brasil tem crescido vertiginosamente no Brasil, inclusive daqueles que foram barrados em inúmeros países. Exemplos citados pelo jornal: o paration, banido na China em 2006, teve sua importação duplicada no Brasil (você acha que o fabricante iria reduzir os seus lucros?) , assim como o carbofuron, proibido na União Européia em 2005.
     A luta é encarniçada e a única esperança dos que estão comprometidos com a sustentabilidade e com a saúde pública é a isenção da Justiça (se você ainda acredita que a indústria agroquímica e a de transgênicos que, repito, são a mesma coisa têm algo a ver com desenvolvimento sustentável, será melhor rever os seus conceitos).
     A sociedade e as autoridades responsáveis precisam ir mais além: punir exemplarmente a indústria do veneno pela degradação ambiental e pelos prejuízos à saúde pública e impedir que continuemos a abrigar o lixo químico, repudiado em outras nações.
     Empresas da área continuam hipocritamente praticando o marketing verde, patrocinando prêmios agroambientais, proclamando seus embaixadores ambientais e sua cínica sustentabilidade ao mesmo tempo que despejam sem dó veneno por todo canto, que preferem denominar de defensivo agrícola ou "remedinho de planta".
     A intenção de impedir a análise e a divulgação dos resultados tem semelhança com a resistência da indústria de biotecnologia (integrada pelas gigantes agroquímicas) em indicar na embalagem dos seus produtos que eles contêm transgênicos. Mas, se eles não fazem mal, por que não ser transparente e avisar o consumidor?
     É fundamental termos em conta o impacto ambiental do crescimento desordenado dos agrotóxicos, buscarmos fontes independentes (a Fiocruz desempenha um trabalho inestimável neste sentido) e resistirmos a esta investida avassaladora.
     Neste embate, estamos com a ANVISA , em nome da saúde pública, e esperamos que a Justiça decida pela transparência, permitindo que a análise seja feita e os resultados possam ser divulgados para toda a sociedade. De uma vez por todas, vamos proibir "a farra do boi dos agrotóxicos".
     Quem está comprometido com o meio ambiente e a qualidade de vida, não pode omitir-se diante deste lobby nefasto. Há um limite para a escalada do veneno na agricultura e ele certamente, no caso brasileiro, foi ultrapassado há algum tempo. Agora basta.
     Em tempo: a ANVISA deveria exigir que a Nestlé informasse na embalagem de sua farinha láctea vendida no Brasil que ela contém pesticida, ainda que dentro dos limites permitidos (você soube que este produto foi proibido nos EUA porque incluía resíduos de um agrotóxico proibido na terra do Obama?). Existe limite permitido para pesticida neste tipo de produtos?
     A ANVISA deveria fazer o mesmo com algumas marcas de queijos (fresco, mussarela e prato) que contém coliformes fecais, conforme pesquisa recente publicada por entidade de defesa do consumidor. Certamente, o argumento dos fabricantes é o mesmo: tem cocô sim, mas dentro do limite permitido.
E eu nem sabia que existia limite permitido para cocô e pesticida em alimentos!
      Estejamos atentos a este embate entre a ANVISA e a indústria de agrotóxicos: ele nos interessa. Que vença a saúde. Pizza com agrotóxico é uma afronta ao conceito de segurança alimentar, não é mesmo? E para ética e transparência não há limite permitido por lei: elas têm que ser assumidas na sua plenitude. Mas talvez seja pedir muito para determinados segmentos empresariais. Por cautela, continuo desconfiando de empresa que tem santo no nome.

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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
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